Há 500 anos, a Reforma Luterana (Reforma Protestante) causou uma revolução social e política na Alemanha, e suas consequências difundiram-se no mundo através da arte, cultura, educação, ciência, mas, principalmente, no processo de consciência individual. Martinho Lutero é uma figura central da Reforma. Em outubro de 1517, o jovem monge, teólogo e professor enviou ao seu bispo 95 teses sobre questões teológicas que desejava debater abertamente, em Wittenberg, Alemanha, criticando determinadas práticas abusivas promovidas pela ou em nome da Igreja. Lutero questionava, principalmente, o comércio de indulgências por membros do clero. O impacto das teses foi imediato, causando uma revolução religiosa, iniciada na Alemanha, que se estendeu pela Suíça, França, Países Baixos, Reino Unido, Escandinávia e algumas partes do Leste Europeu, principalmente os Países Bálticos e a Hungria. Abalou as estruturas do catolicismo, originou o protestantismo e contribuiu para o nascimento de outras religiões.

Um movimento mundial está comemorando o jubileu da Reforma Protestante em 2017, acompanhado pela Ulbra. Em 2015, foi instalado o Comitê Ulbra 500 Anos da Reforma Luterana, para organizar uma extensa programação cultural em homenagem a 31 de outubro de 1517, que vai abranger todas as unidades de ensino superior e a Rede de Escolas, mantidas pela Associação Educacional Luterana do Brasil (Aelbra).

 As atividades internacionais e nacionais são intensas, pois cerca de 75 milhões de luteranos e 900 milhões de protestantes espalham sua fé em um mundo que foi transformado pela Reforma. Entre as consequências do movimento, está a unificação da língua alemã, impulsos importantes ao setor de educação, a liberdade de consciência do indivíduo e o conceito atual de profissão. O vice-reitor da Ulbra, Ricardo Willy Rieth, coordena as ações do Comitê. Professor no Programa de Pós-graduação em Educação - Mestrado/Doutorado, Rieth é pesquisador do tema. Integra o Comitê Científico Permanente do Congresso Internacional de Pesquisa de Lutero e o conselho de colaboradores do periódico Lutherjahrbuch (Göttingen, Alemanha/Vandenhoeck & Ruprecht) e da Oxford Encyclopaedia on Martin Luther. É membro e atual presidente da Comissão Editorial Obras Selecionadas de Martinho Lutero.

As ações comemorativas da Reforma Luterana estão acontecendo em todo o mundo. Onde iniciou o movimento?

Ricardo Rieth - A Reforma Luterana surgiu no centro da Europa há 500 anos, na área que hoje corresponde à Alemanha, mas acabou se expandindo para Europa, América do Norte, Austrália, para o mundo inteiro. Em razão disso, a Alemanha já comemora e realiza atividades culturais para este período desde 2008, no que os alemães chamam de década de Lutero. A Reforma está ligada à própria história da Alemanha e da língua alemã, devido à tradução e popularização da Bíblia para o idioma. Influenciou muito a literatura e o ensino em escolas e universidades.

Qual a relação direta entre a Reforma e a educação?

Ricardo Rieth - Lutero era professor universitário em um período em que a interpretação da Bíblia era monopólio da Igreja Católica. Quem podia interpretar a Bíblia era o Papa e a hierarquia da instituição. Lutero veio dizer que a autoridade não está numa hierarquia de poder da Igreja, mas nos ensinamentos da Bíblia, que foi popularizada por ele. A partir desse momento, um dos primeiros setores da sociedade a ser atingido foi o da educação, as universidades e escolas, porque o processo foi descentralizado. Para ler e interpretar a Bíblia com maior proveito e profundidade, as pessoas tinham que estudar.

Quais foram as consequências desse impacto provocado no setor educacional?

Ricardo Rieth - Os países influenciados pela Reforma Protestante acabaram, com o tempo, constituindo sistemas educacionais muito consolidados, referências mundiais em educação. A Revista Time faz um ranking anual sobre as melhores universidades do mundo, onde podemos observar que das 10 que são referência em educação, seis delas foram criadas a partir da Reforma ou já existiam em outros territórios e foram transformadas por ela. É muito forte o vínculo da Reforma com a educação.

E qual foi nessa mesma linha a contribuição para o Brasil, um país historicamente com elevados índices de analfabetismo e educação pública deficiente?

Ricardo Rieth - Eu posso dar como exemplo o Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral), programa criado no Brasil para alfabetizar adultos na década de 70, que foi sucedido por outros programas equivalentes, como o atual Educação de Jovens e Adultos. Nenhum destes programas alfabetizou tantos adultos quanto as Igrejas Pentecostais. Porque, para vivenciar a fé, as pessoas precisam ler e entender a Bíblia, ninguém pode fazer isso por elas. O Brasil avançou muito nos últimos 40 anos em termos de redução do analfabetismo, em grande medida, com o estímulo gerado nas Igrejas Pentecostais.

O movimento causou, a partir da educação, uma transformação social que criou o ensino profissionalizante. Como foi esse processo?

Ricardo Rieth - Um dos escritos mais famosos de Martinho Lutero é o Tratado da Liberdade Cristã. Ele abre dizendo que, na perspectiva da fé, todo o cristão é uma pessoa livre que não está sujeita a ninguém. Na perspectiva do amor, o cristão é uma pessoa que se preocupa com todos e que está sujeita a todos. Uma contradição, que significa que a fé me liberta e eu não preciso comprar indulgência para conquistar a salvação, estou livre do jugo. Por outro lado, eu passo a olhar numa perspectiva horizontal para quem está ao meu redor e me coloco a serviço destas pessoas. É um conceito teológico de liberdade e também um fundamento religioso para a ética. Há 500 anos atrás, quando se falava em vocação, ou profissão, era eminentemente a vocação religiosa, o padre, a feira, o monge. Esses eram por excelência aqueles que prestavam culto a Deus quando exerciam sua profissão. As pessoas que se dedicavam à agricultura, ao comércio, para as funções que não eram religiosas, eram consideradas menos importantes, exerciam funções de menos valor. A Reforma vai romper com essa visão. Dentro da perspectiva de que eu me coloco a serviço do próximo, todas as profissões são igualmente importantes e, para que eu exerça da melhor forma a minha vocação, eu preciso me capacitar, ir para a escola, para a universidade.

Por que Martinho Lutero é uma figura central da Reforma Protestante, que teve outros importantes reformadores?

Ricardo Rieth - Ele é o mais lembrado porque ele viveu numa conjuntura histórica específica que fez com que, tanto ele quanto o seu pensamento, repercutissem fortemente. O contexto daquele período o favoreceu e ele soube tirar proveito disso. Ele pode se beneficiar de grandes inovações, como a invenção de Johannes Gutenberg, que, em torno de 1439, inventou o tipo mecânico móvel para impressão. A inovação foi a causa da Revolução da Imprensa, fato no mínimo equivalente à revolução que a Internet causou nos dias atuais. Quando Lutero publicou em latim as 95 teses, em Wittenberg, no final de outubro de 1517, o conteúdo era tão explosivo que em poucas semanas já tinha se difundido na Espanha, Itália, também haviam sido traduzidas para outros idiomas. Isso não teria acontecido se ele tivesse nascido 100 anos antes. No período em que Lutero estava no final da vida, 70% das obras publicadas em língua alemã ou eram escritos de Lutero, ou sobre Lutero, ou contra Lutero.

Que outros conceitos importantes a Reforma Luterana trouxe para o mundo?

Ricardo Rieth - A liberdade é um conceito muito importante dentro da Reforma. As pessoas dependiam para tudo da Igreja, e faziam compensações financeiras. A mensagem da Reforma é que o que reconcilia a pessoa com Deus é a fé, a confiança, não são necessárias obras ou comércio para conseguir essa reconciliação com Deus. Há também quem relacione a movimentos e instituições vinculadas à Reforma o fomento direto ou indireto a ideias e práticas associadas aos conceitos de tolerância, emancipação política, direitos humanos, democracia e empreendedorismo. 

Quais as atividades realizadas e programadas nas unidades da Ulbra neste período?

Ricardo Rieth - Nós formamos um comitê estratégico para estimular e apoiar as atividades que serão promovidas, principalmente em 2017, no âmbito das escolas e IES de nossa mantenedora e também em instituições externas que se relacionam com elas. Realizamos um concurso para a escolha da marca deste comitê, aberto à participação de todos os alunos da Ulbra matriculados nos cursos de graduação e pós-graduação presencial e a distância e no ensino médio da Rede de Escolas de todo o país. Neste momento, todos os setores da Ulbra estão refletindo sobre o tema da educação e a identidade luterana, que constitui um dos eixos do planejamento estratégico da Instituição. A reflexão é sobre a relação entre a Reforma, sua essência e herança, e a aprendizagem que se quer para o século XXI. Que o nome Ulbra não seja uma denominação vazia. É luterana, está associada à Reforma Luterana, e de forma muito especial, contribui para a educação.