EM BUSCA DE UM SONHO
Aos 72 anos, José mostra que nunca é tarde para a graduação
Idoso se matriculou no curso de Medicina no semestre 2024/1
O que move alguém a, mesmo diante das adversidades e da idade avançada, seguir em busca de realizar o seu maior sonho? No caso de José Antônio de Oliveira, é a própria vida. Aos 72 anos, ele se matriculou no curso de Medicina da Ulbra Canoas. "Escolhi a Ulbra porque eu confio plenamente no trabalho do corpo docente e na administração da empresa", conta o aposentado. Mas essa história não começou no primeiro dia de aula do semestre letivo de 2024/1, no dia 1º de março.
Nascido no norte da Bahia, em um pequeno vilarejo na cidade de Rio Real, a cerca de 200 quilômetros de Salvador, José Antônio fala com orgulho de sua origem humilde e de que sempre estudou em escola pública. Cresceu vendo a avó, junto dos nove netos, pedir esmolas. Aos 9 anos de idade, já sonhava trabalhar na área da saúde e, por isso, pedia sapatos e roupas brancas aos pais. Aos 13, viveu o pesadelo de perder pai, mãe e irmãos para a tuberculose.
"Nasci para ser médico", diz, com a convicção de quem é movido pelo desejo de realizar o sonho de infância. "Mas eu cresci e o sonho ficou adormecido", reflete. As dificuldades financeiras e a falta de apoio o levaram por um caminho distante dos estudos e repleto de obstáculos.
Um passo de cada vez
Ciente da vocação para a área da saúde, José Antônio só pôde dar o primeiro passo rumo ao objetivo profissional aos 50 anos. No entanto, a idade, para ele, nunca foi motivo para desistir. "Se a pessoa quer estudar, não importa se ela é velha ou pobre, não importa nada", opina. Traçou, então, um plano: começaria por outro curso de graduação, também da saúde, para se capacitar, trabalhar exercendo o que sempre desejou e, futuramente, ter condições de realizar o sonho de estudar Medicina. Foi então que começou a prestar vestibular para o curso de Enfermagem.
Iniciou os estudos na cidade de Feira de Santana, ainda na Bahia, mas se deparou com um desafio: precisaria alçar voos mais distantes devido à estrutura limitada. "Se eu me formar enfermeiro aqui, vai ser diferente de me formar em uma universidade que tem hospital-escola", pensou. Movido pela própria vontade, José Antônio desembarcou em Caxias do Sul, na serra gaúcha, em 2006.
Longe de casa, em um lugar diferente e vivendo de uma aposentadoria de pouco mais de um salário mínimo, enfrentou o frio, a solidão e o preconceito. Sentiu na pele a rejeição na sala de aula, em formações de grupos para a realização de trabalhos, e a dificuldade de conseguir emprego. Em 2012, quando concluiu a graduação, aos 60 anos, imaginou que estava mais próximo do grande sonho: "Aí eu fiquei feliz, 'agora sim vou fazer Medicina!'", animou-se. Mas encontrou apenas portas fechadas. "Eu soltei currículo em toda a região da serra gaúcha e ninguém me chamou", desabafa. O motivo? José Antônio responde: "O primeiro, a idade; e o segundo, por ser nordestino".
Mesmo graduado e tendo ainda cursado uma especialização, em saúde da mulher, se viu sem emprego e com a necessidade de tocar a vida para poder conquistar o diploma mais sonhado. Com a ajuda de um amigo, ganhou uma casinha no centro da cidade, onde começou a vender churros. Foi com o dinheiro dos doces que fez uma poupança para arcar com a mensalidade do curso de Medicina.
"Eu escolhi a Ulbra"
Após cinco anos de tentativas, no final de 2023, José Antônio conquistou uma vaga no curso de Medicina da Ulbra Canoas. "Me inscrevi aqui com a nota do Enem, faltando três dias para encerrar a matrícula", conta José. Utilizou uma parte das economias, pediu um empréstimo consignado, fez alguns arranjos e costuma fazer bicos, um deles trabalhando como vendedor de rosas, e assim conseguiu quitar seu primeiro semestre letivo.
Para continuar conseguindo manter os custos não só dos estudos, mas também do aluguel de um quarto próximo ao Campus Canoas, além da alimentação e do transporte, José Antônio iniciou uma vaquinha. Pela internet, tem recebido doações de pessoas generosas interessadas em colaborar com sua conquista. O valor arrecadado já está próximo dos R$ 5 mil.
Pensando no que seria melhor para a sua formação, decidiu em qual instituição se matricularia após fazer uma pesquisa entre as principais universidades da região. O calouro conta que levou todo esse tempo, pois definiu que não estudaria em outro lugar senão a Ulbra, mesmo tendo sido selecionado em uma universidade na sua terra natal. "Vendo a qualidade do ensino e o potencial da Ulbra, de três décadas formando médicos, e ver a estrutura dela, cheguei à conclusão de que tem qualidade e é ela quem vai me preparar para ser um grande médico", explica. "Eu quero ter o diploma da Ulbra, uma das melhores universidades do Brasil", enfatiza.
"O que me chama atenção dentro da Ulbra é o conhecimento científico dos doutores e doutoras", adiciona o estudante, que também cita ter sentido uma diferença muito positiva em relação aos outros lugares onde estudou. Para José Antônio, a Ulbra é marcada pelo acolhimento. "Estou recebendo muito amor e carinho do corpo docente e dos colegas também. Aqui é totalmente diferente e isso me deixa muito feliz", exalta. "Eu vou levar a Ulbra no meu coração até o meu último dia de vida", revela.
Todo o acolhimento do campus que conquistou José Antônio se refletiu para além do ambiente acadêmico. Diante das dificuldades, tem encontrado apoio por todos os lados. Mostrando as anotações feitas à mão dos conteúdos da aula de Anatomia II, além de uma organização precisa dos horários das disciplinas e as respectivas salas de aula, conta: "Eu assistia às aulas e via os alunos com notebook, enquanto eu tinha um caderno". Assim, para auxiliar nos estudos e poder acompanhar de forma mais prática todas as atualizações das aulas, ganhou um presente especial: um notebook. "Agora que eu tenho notebook e tenho acesso à internet, é hora de aplicar todo o meu tempo para estudar", revela.
O amor pelo Rio Grande
Quando recebeu o diploma de enfermeiro ao som de "Querência Amada", José Antônio sabia muito bem o que a canção significava -- tanto na letra, quanto para ele. Famosa na voz de Teixeirinha, a música aborda o amor pelo Rio Grande do Sul. Mesmo com as dificuldades enfrentadas, além de ter sido o berço de sua formação profissional e palco de tantas realizações de sonhos, foi aqui que viveu uma das maiores transformações de sua vida.
Logo que chegou a Caxias do Sul, José Antônio consultou-se com um médico que identificou um pequeno tumor na região da cabeça e o diagnosticou com hipogonadismo, o mau funcionamento das glândulas do corpo que produzem testosterona, desencadeado por um caso de caxumba ainda na infância. Foi só perto dos 60 anos que iniciou os tratamentos hormonais que deveria ter feito na adolescência, se pudesse ter contado com um atendimento especializado. "Foi o estado do Rio Grande do Sul que me libertou, e foi aqui que eu realizei o meu sonho", explica, com lágrimas nos olhos.
Agora, é o desejo de que histórias como a dele não se repitam que move o obstinado estudante. Empunhando o exemplar único de um livro ainda desconhecido, revela que escreveu uma autobiografia, intitulada "O querer é a força do poder". Além do sonho profissional, José Antônio quer inspirar as pessoas com sua jornada de vida por meio da publicação do livro e, ainda que de mansinho, do seu jeito, e de onde puder, transformar a medicina. "Eu vou ser um médico não por status, nem por dinheiro, mas para atender as pessoas, principalmente a classe pobre, de maneira humanizada. O atendimento tem que ser humanizado, respeitoso, carinhoso e, acima de tudo, seguro", conclui. Tudo o que José não teve na infância e só foi encontrar depois de muito tempo.
Marcelo Monteiro
Assessoria de Comunicação Ulbra
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