Encontro de Professores 16/02/2018 15:51
"As pessoas precisam reencontrar o prazer pelo conhecimento", diz cientista
Neurocientista Carla Tieppo falou para professores da Rede de Escolas
A neurociência e a educação sempre pareceram áreas distantes, mas entender como o cérebro funciona e desenvolver formas de expor os alunos aos estímulos adequados para o processo de aprendizagem pode ser a saída para o salto de qualidade que se espera na educação.
Essa é a tesa da neurocientista e palestrante paulista Carla Tieppo, que na tarde desta quinta-feira, 15 de fevereiro, falou sobre o tema durante o 9º Encontro de Professores e Funcionários da Rede de Escolas da Ulbra.
Há 8 anos atuando com formação de docentes, consultoria e coordenando uma pós-graduação na área, a cientista, que já formou quase 3 mil professores, acredita que a ciência destinada a estudar o sistema nervoso central, se aplicada à educação, pode colaborar para devolver a motivação de alunos e professores pela sala de aula. Confira a entrevista exclusiva com a pesquisadora.
Rede de Escolas - Qual a real contribuição da neurociência para a educação?
Carla Tieppo - Quando trazemos a neurociência para a educação o objetivo não é discutir doenças, transtornos ou dificuldades de algumas patologias dentro da escola, como déficit de atenção e hiperatividade, dislexia ou discalculia. Há uma contribuição mais robusta: levar para o pensamento do educador e do professor a ideia de que ele está ajudando a construir um cérebro e os seus processamentos. No século XX o que sabíamos sobre a neurociência era muito pífeo, muito escasso para servir de base para outra aplicação. Essa área demorou para se caracterizar porque dependeu da tecnologia. A gente não tinha como avançar no conhecimento sem poder ter a imagem do cérebro durante o processamento de uma informação, sem ter um conhecimento sobre como os circuitos se montavam, ou quais as etapas de aquisição dos conhecimentos. Essas possibilidades são do século XXI. Com isso, é imperativo que a educação vá agora beber dessa fonte. Estamos enfrentando um monte de dificuldades na educação que foram provocadas pela própria tecnologia, porque a própria sociedade mudou.
Rede de Escolas - As escolas já entenderam a importância dessa ciência?
Carla - Não. Existe uma resistência muito grande por parte dos educadores, especialmente porque é uma forma de ver o mundo completamente diferente da que eles estão acostumados, outro cabedal teórico, outra linguagem, terminologia. Se não houver uma tentativa de fazer uma tradução adequada, de aproximar os educadores da neurociência, vai ser frustrante, porque eles não irão avançar. Não vamos conseguir levá-los para dentro da neurociência.
Rede de Escolas - E como na prática pode ocorrer essa aproximação?
Carla - Eu tenho feito a minha parte. Atuo com consultoria, cursos, produção de material, encontros. Se tivermos mais uns cinco ou seis bons neurocientistas fazendo esse trabalho conseguimos contaminar a sociedade. Prestei consultoria para escolas que já se deixam permear e estão levando essa discussão para o seu dia a dia, que vem junto com o uso de metodologia ativa, processos avaliativos alternativos, está no mesmo cabedal. O que estamos falando é que as pessoas precisam reencontrar o prazer do conhecimento, de se desenvolver, e querer de fato fazer essa aquisição, que depende do indivíduo. Não basta impor: senta aí e escuta que você está aqui para isso. A gente tem que reagir e se posicionar de forma positiva para que a sociedade continue evoluindo. O legal é que se conseguirmos fazer um movimento agora, podemos fazer um salto qualitativo na educação que todo mundo está esperando que ocorra, para que o país volte a se organizar. Está aqui o grande poder.
Rede de Escolas - De que forma prática se vê essa aplicação no processo de aprendizagem do aluno?
Carla - O efeito mais dramático e mais fácil de ser observado é que eles voltam a ter interesse. A medida que se cria estratégias que traz o indivíduo para o protagonismo do processo de educação, ele imediatamente se engaja. Eu diria que desde os pequenos até os adolescentes o primeiro impacto é o engajamento, com os projetos que a gente arquiteta, de interdisciplinaridade, de interclasses, trabalha muito com alunos de diferentes faixas etárias dentro da escola, usando a experiência de um como forma de aprendizagem para o outro, e vice-versa, então isso tem mobilizado o engajamento. E não só dos alunos, porque os professores que vinham muito desmotivados acabam se empolgando com uma nova possibilidade. É um ciclo vicioso que pode ser tornar virtuoso. O vicioso é o aluno ir para a escola desmotivado, se arrastando, o professor não ver o seu trabalho sendo valorizado e dar uma aula cada vez menos motivadora e isso vai num ciclo. Aí a partir do 5º, 6º ano inicia-se uma guerra entre professor e aluno dentro da sala de aula. A ideia é fazer com que lá no ensino médio o adolescente tenha professores inspiradores, gente que mobilize a comprar uma causa, ter um valor na vida, um propósito.
Rede de Escolas - Neste processo é importante mudar o formato das salas de aula como conhecemos?
Carla - Não vejo que seja obrigatório mudar o formato. Acabei de falar durante 1h30 e as pessoas estavam engajadas, prestando atenção e o modelo era eu falando e elas ouvindo. Acho que a mensagem precisa ser mais robusta, é preciso se preparar melhor para falar sobre alguma coisa. Tenho um exemplo em casa: meu filho é jogador de videogame. Ele tem 20 anos de idade. Só que tudo que ele sabe sobre história, renascimento, e que acabou influenciando na escolha profissional - ele quer ser economista e discutir o desenvolvimento econômico da humanidade - ele aprendeu no videogame, em um jogo que conta a narrativa de várias épocas. Foi ali que que aprendeu a gostar da história e, óbvio, que eu participei jogando, comentando. Percebendo que ele tinha estímulos, levei a museus para mostrar as coisas que ele queria ver. É importante reconhecer esse interesse do jovem e dar corda para ele. Você tem que ir na direção da emoção, do que engaja aquele indivíduo. Essa é a arte da educação!
O 9º Encontro de Professores e Funcionários da Rede de Escolas Ulbra foi realizado nas dependências da Universidade Luterana do Brasil, em Canoas, com o apoio do Sistema Positivo de Ensino, e contou com a presença de participantes dos nove colégios da Ulbra no Rio Grande do Sul e de três escolas comunitárias do bairro Mathias Velho, de Canoas.
Marla Cardoso
Jornalista Mtb 13.219