Recomeço
Palavras de gratidão se revelam em lousas após acolhidos deixarem campus
Abrigados deixaram mensagens nas salas, que voltam à sua função original
Nas salas de aula, as lousas são a ponte entre o conhecimento e o aluno. Mas diante da maior catástrofe climática que o Rio Grande do Sul já vivenciou, estes instrumentos de aprendizado ganharam uma nova função. Nas salas de aula do campus da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) em Canoas, elas se tornaram um registro de agradecimento.
De portas abertas para os afetados pelas cheias que atingiram o Estado, a Ulbra viu suas salas de aula se transformarem em abrigos. A Universidade vivenciou algo inédito em seus 51 anos de história: o campus Canoas acolheu 7,8 mil pessoas que ficaram desalojadas devido às cheias que atingiram o Estado. Agora, com os abrigados retornando para suas casas ou sendo destinados a espaços geridos pela Prefeitura de Canoas, o que chegou a ser o maior abrigo do Rio Grande do Sul retoma suas atividades primordiais com reinício das atividades presenciais nesta segunda-feira (17/6).
A saída dos acolhidos trouxe uma nova espécie de vazio para um campus que, acostumado com o vaivém dos estudantes, de repente se viu no centro de uma tragédia. Mas essa lacuna foi preenchida pela ação dos próprios abrigados. Com a partida, foram reveladas mensagens de agradecimento deixadas nas lousas. "Obrigado a todos os voluntários e à Ulbra", "Deus é fiel", "Só o amor constrói para a eternidade", "Quero agradecer de coração à Ulbra", ditam o tom de alguns dos recados escritos nas salas.
O superintendente de Infraestrutura e Serviços da Aelbra, Adriano Chiarani, que também coordenou o Comitê de Crise da Instituição, afirma que as mensagens são reflexo da relação da Ulbra com a comunidade. "As declarações deixadas nos quadros das salas de aula, nas redes sociais e os testemunhos de gratidão que ouvimos pessoalmente, nos alegram e motivam a continuarmos a ser uma instituição integrada com as demandas da comunidade que nos acolhe", reflete.
Agradecimento que transborda
"Obrigado, Ulbra. Nos dias mais desafiadores de nossas vidas, vocês se fizeram nosso lar", diz o recado escrito a giz na lousa da sala 238, no segundo andar do prédio 14. Este espaço se destacou pelo atendimento especializado dedicado às crianças com transtorno do espectro autista (TEA), pela compreensão de destinar um espaço exclusivo para elas.
Segundo o coordenador do curso de Psicologia da Ulbra Canoas, Vinicius Tonollier Pereira, nos momentos desafiadores como os enfrentados em decorrência da enchente, este acolhimento que compreende as necessidades de cada indivíduo é fundamental. "Um acolhimento profundo, emocional, para que a pessoa possa se sentir acolhida e escutada", adiciona.
O caso das famílias neuroatípicas é singular pela importância de proporcionar um espaço seguro. "Porque uma grande questão para essas crianças é a da convivência e de um espaço protegido. As pessoas saem de casa e perdem as suas referências comunitárias e sociais, então foi fundamental para que pudessem ficar e se sentir protegidas", completa Pereira.
Acolhimento que dignifica
Essa ação foi uma entre as diversas proporcionadas pela Ulbra, que agiu em diversas frentes e contou, ainda, com a cooperação de instituições e representações de setores, sempre em sintonia com as autoridades. Em parceria com o Poder Judiciário, e em uma ação encabeçada pelo curso de Direito, a Universidade prestou auxílio jurídico aos abrigados no campus, incluindo o encaminhamento para emissão de documentos perdidos e a orientação quanto aos benefícios concedidos pelos governos federal e estadual.
Para a coordenadora do curso em Canoas, Francele Marisco, esse tipo de atendimento proporciona dignidade para quem perdeu tudo e serve como base para o recomeço. "Nós fizemos uma força-tarefa aqui no campus. Vieram professores e coordenadores de outros campi, alunos e voluntários, e os atendimentos foram muito emocionantes. Além do serviço, as pessoas queriam falar, agradecer e explicar. Queriam ser ouvidas", relata a professora.
Este trabalho multidisciplinar revela não apenas o caráter educacional da Universidade, mas também o seu papel confessional, reflete o capelão-geral da Aelbra, Maximiliano Wolfgramm Silva. "A singeleza traz consigo uma força incrível. Foram muitos os gestos singelos que alimentaram a força voluntária e generosa que sustentou o belíssimo trabalho social realizado através do abrigo na Ulbra. O espaço de aprendizagem se transformou num espaço de acolhimento e ensinou a todos lições que só se constroem através do amor, da dedicação, da gratidão", pondera o pastor.
Diante das mensagens deixadas na lousa, Francele reflete: "Eu sinto que, aqui, eles realmente tiveram um lar". "Todos os cursos estavam presentes ajudando, seja com medicamento, ouvindo como psicólogo ou uma segunda via dos documentos. E isso se resume em exercício de cidadania", conclui a coordenadora.
Marcelo Monteiro
Assessoria de Comunicação Ulbra
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