Uma doença, até então desconhecida, tem feito com que a comunidade científica se desdobre na busca por alternativas viáveis de tratamento: a COVID-19. Na ânsia por encontrar um medicamento eficaz, muitas pessoas estão se antecipando aos estudos e usando substâncias que ainda não possuem recomendação de órgãos como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Ministério da Saúde.
"A automedicação é um problema de saúde pública há muito tempo, pois nossa população tem a sensação de que medicamentos não causam problemas, quando, na verdade, sabemos que todo medicamento apresenta efeitos adversos, alguns mais graves, outros menos graves", observa o professor da Ulbra, João Victor Laureano, doutor em Ciências Farmacêuticas.
De acordo com Laureano, quando se trata de uma doença que ainda é pouco conhecida, a utilização de medicamentos por conta própria sem uma recomendação baseada em evidências científicas se torna um problema maior ainda. "Nesse caso, não sabemos se os benefícios da utilização do medicamento superam os riscos que estes podem apresentar. Portanto, é importante que as pessoas nunca se automediquem", reforça o docente.
Um dos medicamentos que surgiram com possível contraindicação é o ibuprofeno. O professor explica que a medida tem caráter preventivo, mas ainda não tem evidências robustas. "Alguns autores levantaram a questão de que o ibuprofeno deve ser evitado por aumentar os níveis de um receptor que facilita a entrada do vírus nas células. No entanto, a OMS não desaconselha o uso do medicamento nesse tipo de caso, pois não há evidências científicas que estabeleçam uma ligação entre o ibuprofeno e o agravamento da COVID-19", ressalta.
Rumores de medicamentos milagrosos contra a COVID-19
As redes sociais estão cada vez mais inundadas de notícias falsas. Isso, somado à gravidade da pandemia, acaba formando um cenário perigoso para as pessoas que acreditam facilmente no que recebem em seus celulares e computadores. O professor Laureano ressalta que, pelo menos por agora, não existe uma fórmula mágica. "Hoje, não temos nenhum medicamento específico para o tratamento e nem prevenção da COVID-19. O que temos são medicamentos sendo utilizados para aliviar os sintomas da doença. Por enquanto, o que podemos fazer é prevenir, e esta prevenção se refere aos cuidados para não transmitir a doença de uma pessoa para outra", frisa o farmacêutico.
Os perigos do uso da cloroquina e da hidroxicloroquina
Indicadas para o tratamento da malária, da amebíase hepática, da artrite reumatoide, do lúpus e de doenças que provocam sensibilidade dos olhos à luz, a cloroquina e a hidroxicloroquina são derivadas do quinino, substância que demonstrou ação in vitro contra vírus da raiva, HIV, influenza A H5N1, chikungunya, dengue, zika vírus, entre outros. "Esta droga é conhecida e já foi utilizada anteriormente em alguns vírus. Na década de 1980, o HIV matou muita gente. Esta droga foi usada, pois a mesma está disponível desde as décadas de 1940 e 50."
Apesar de conhecida, o professor alerta para a utilização da mesma. "Do ponto de vista experimental, baseado em testes de laboratório, faz sentido o uso, mas tem muito medicamento que funciona no laboratório e não funciona no paciente, por isso é preciso esperar os resultados de estudos clínicos rigorosos. Embora estes fármacos sejam considerados seguros pelo FDA, agência federal do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos, ainda não temos evidências de eficácia e segurança no contexto da COVID-19, podendo existir um potencial risco à saúde das pessoas que o tomam", pondera.
Até agora, de acordo com o professor, alguns estudos já revelaram que a cloroquina, em dosagem alta, pode apresentar toxicidade, e seu uso prolongado pode levar à cegueira em população de idade maior, anemia, problemas renais e hepáticos, insônia, pesadelos, ideação suicida, arritmia cardíaca e até levar à morte. A droga também apresenta interações medicamentosas importantes com outros medicamentos utilizados para tratar diabetes, epilepsia e problemas cardíacos, explica o docente.
Protocolos e importância dos órgãos de saúde
No momento, o protocolo do Ministério da Saúde indica que somente pacientes hospitalizados com quadros graves e críticos devem usar a cloroquina ou a hidroxicloroquina. Ainda assim, as diretrizes apontam os cuidados que devem ser tomados na administração das substância. De acordo com o professor João Laureano, os órgãos de saúde possuem esse papel fundamental nas recomendações médicas e no acesso à informação. "São órgãos que, com base na literatura científica que é produzida em todo o mundo, determinam as melhores diretrizes para o enfrentamento da doença, unificando as formas de tratamento, diagnóstico e prevenção", resume.
Desenvolvimento de tratamentos e vacinas
O professor é cauteloso ao falar sobre os tratamentos que podem surgir ou até mesmo uma cura. Para ele, o processo de desenvolvimento de uma vacina é muito longo, cheio de testes e oneroso. "Acho que não teremos nada até metade do ano que vem. O foco provavelmente será em pesquisas com medicamentos que já são aprovados para alguma doença e que tenham um potencial para utilização no combate à COVID-19, como é o caso da cloroquina", opina.
Outra linha de pesquisa que ganha força é a de "transplante de imunidade", adianta Laureano. "Ela consiste em pegar o plasma de pacientes que foram curados da COVID-19 que contenham os anticorpos responsáveis por combater o vírus e aplicar em pacientes infectados. Acredita-se que estes anticorpos sejam capazes de combater o vírus. Se trata de uma alternativa e devemos ficar de olho nos próximos resultados", finaliza.
Leonardo Magnus
Jornalista Mtb 19305/RS