Corrida pela cura
Geógrafo reflete sobre impactos da dominação e as vacinas contra COVID
Docente falou sobre vacinas gratuitas e o princípio da hegemonia ocidental
A corrida contra o tempo tem sido realidade para muitos pesquisadores, no que tange a busca por vacinas eficientes contra a COVID-19. Algumas, cientificamente promissoras, ainda não tem data específica para conclusão e dependem de avanços tecnológicos e investimentos.
Notícias recentes apontam uma possível tentativa de monopólio destes artigos por parte dos Estados Unidos. A partir de uma assinatura de contrato, o país adquiriu 100% das produções, quando concluídas, das indústrias farmacêuticas Pfizer e BioNTech. Segundo Orlando Albani, docente do curso de Geografia da Ulbra, um país que imprime dólares com facilidade tem a possibilidade de compra dos estoques de pesquisas mais avançadas.Corri
"Essa questão passa pela assimetria de poder econômico entre os países. A gente vive em um mundo onde tudo é tornado mercadoria, e tudo tem um preço", ressaltou Albani. Segundo ele, é preciso que o Estado se faça presente na compra e distribuição gratuita das vacinas, considerando que sem elas a situação de calamidade continuará. "A questão da COVID é pública, e deve ser gestada não pelo setor privado, mas sim pelo Estado. Deve existir uma democratização e o acesso igualitário, e aí nós entramos na questão da ideia de nação, e da importância de um governo na gestão do país como um todo."
Vacinas democráticas, gratuitas e universais
Mobilizações e abaixo-assinados online pedem por uma vacina gratuita e universal, e contam com nomes importantes como a ativista paquistanesa Malala Yousafzai e o fundador da Wikipedia Jimmy Wales. O reflexo de uma entrega destes produtos às regras do mercado poderia significar não somente uma perpetuação da doença entre as classes financeiras mais baixas, que não teriam condições de compra, mas também uma queda econômica exponencial.
Em relação a isto, o geógrafo aponta que o político e econômico estão sempre entrelaçados, e Estado e mercado são codependentes. Nesta perspectiva, destaca que quem produz boa parte da movimentação do setor de compra e venda vem das classes médias. "No fim das contas, estas classes junto das altas pressionarão o governo para que haja esta gratuidade". Este apontamento é explicado, segundo ele, porque por mais triste que seja, as classes financeiramente superiores necessitam da mão de obra dos mais pobres.
Uma das máximas apontadas pelo docente é a de que, problemas globais necessitam de soluções globais. "Será necessário uma discussão internacional e transnacional, com uma solução articulada entre todas as nações no âmbito da ONU". Segundo ele, devido às grandes desigualdades no Brasil, deverá existir uma participação do Sistema Único de Saúde (SUS) na distribuição gratuita destas vacinas. "Deixar a situação entregue às determinações do mercado, seria um absurdo muito grande".
"A minha utopia seria que, a partir desta questão da COVID, se desenvolvesse uma capacidade de pensar o bem da nação brasileira como um todo e não somente de grupos" ressalta ainda que, neste sistema de colonialidade e subserviência que estamos inseridos, talvez as vacinas de qualidade superior não cheguem aqui, tampouco para os demais países subdesenvolvidos. "Infelizmente, somos tratados ainda com espaços que se desenvolveram no colonialismo e servimos para fornecer matéria prima e recursos minerais. Esse é o nosso lugar na visão do Ocidente"
Primórdios dos sistemas de dominação e hegemonia
Para refletir sobre o modelo de monopólios e o processo de controle, que fazem parte da realidade ocidental, Albani diz ser necessário debruçar-se sobre o entendimento de como o poder se estruturou ao longo do tempo e espaço. "Desde o final do século XV e início do XVI, esse processo começa a se desenvolver a partir da expansão comercial europeia, ou seja, a primeira globalização." Nesta época, os símbolos de poder de um Estado eram os territórios que ele invadia e conquistava. A posse de grandes colônias, portanto, era o que empoderava os países até a Segunda Revolução Industrial. "Ela deixa de ser exclusivamente inglesa, e passa a abranger países como Estados Unidos e Alemanha. É uma revolução técnico-científica, o que transforma o conhecimento em berço do poder."
Para Albani, a partir do século XIX, o domínio da tecnologia e da ciência se une ao capital para financiar o desenvolvimento das nações através do Estado. "O poder e o exercício de uma dominação passa por deter o conhecimento técnico-científico".
América Latina e a colonialidade
"A América Latina, desde 1500, foi um espaço subalternizado", destacou. Mesmo a partir de um momento de independência espacial, a dependência tecnológica permaneceu. Para ele, o fato de necessitarmos de uma importação dos saberes caracteriza uma condição de perpetuação de um estado colonial, com relações econômicas e sociais semelhantes.
Um destes aspectos relaciona-se, conforme apontado pelo geógrafo, à base econômica extrativista dos países latino-americanos. "Não se deu esse salto para a posse de conhecimento técnico-científico, que possibilita outras formas de industrialização não relacionadas à questão mineral e agrícola", apontou.
A colonialidade se faz presente também nas produções acadêmicas e científicas do país, o que denota uma certa colonialidade do pensamento. "Muitas dissertações ou teses tem, no escopo do referencial bibliográfico, uma lista de autores europeus e estadunidenses". Destacou ainda que, na América Latina não faltam intelectuais capazes de produzir pensamentos completos sobre as expressões do mundo externo, e até mesmo em relação ao nosso próprio território. "Um dos autores que eu gosto é o peruano Anibal Quijano, que trabalha justamente este conceito de colonialidade do poder, e faz uma interpretação do mundo e estruturas latino-americanas com um olhar que inicia aqui e depois vai para a Europa ou EUA".
Monopólio como estratégia das grandes potências
Apesar da ideia de existência de um mercado competitivo e valores da concorrência, para Albani, no sistema econômico capitalista o que rege é a busca pelo monopólio. "Na área de fertilizantes, por exemplo, 90% do mercado está nas mão de três ou quatro grandes empresas". A fusão de empresas se desenvolveu, portanto, como uma tendência a partir da Segunda Guerra Mundial, o que diria muito sobre o futuro das vacinas, segundo o docente.
"O mercado vai se movimentar na questão de fármacos e vacinas, e possivelmente acabará por ser oligopolizada por duas ou três empresas." Para chegar a este cenário, explica que diferentemente de países como a China, o Brasil não investiu em um verdadeiro desenvolvimento de nação, ligado à redução das desigualdades e crescimento científico e tecnológico autônomo.
O Brasil vive, para além de uma desindustrialização, uma reprimarização da economia e da produção industrial. Isto significa, segundo Albani, um investimento em artigos da área econômica que requerem pouca tecnologia e resultam em produtos vendidos a preços baixíssimo. "Então, quando precisamos de elementos tecnológicos, acabamos importando", finalizou.
Emily Ebert
Estagiária de Jornalismo da Ulbra Canoas
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