Aula Inaugural
"A imprensa está esvaziada", diz Flávio Tavares em entrevista
Escritor conversou com alunos do Jornalismo da Ulbra nesta terça-feira
Em 13 de dezembro de 1968, o Ato Institucional nº 5 (AI 5) entra em vigor em todo o território nacional. O decreto emitido pelo general Artur da Costa e Silva suprime garantias democráticas, fecha o Congresso Nacional, intensifica a censura à imprensa e dá início ao período mais duro da ditadura militar no Brasil.
Na época, Flávio Tavares era editor-chefe do jornal carioca Última Hora, logo em seguida, retornaria à clandestinidade, seria preso e expatriado. Passados quase 50 anos dos incidentes que deixaram marcas profundas em sua vida, o ex-militante da luta armada, jornalista, professor e escritor gaúcho, hoje com 84 anos, foi o convidado para a aula inaugural do curso de Jornalismo da Ulbra, que, nesta terça-feira, 13 de março, reuniu mais de 500 estudantes e professores no auditório 220 do prédio 1 do campus Canoas.
Na ocasião, Tavares compartilhou suas experiências e analisou a conjuntura política e social da época e a de 2018. Nesta entrevista exclusiva, o autor de Memórias do Esquecimento (Globo, 1999) e O Dia em que Getúlio Matou Allende (Record, 2004) fala sobre poder, educação, o papel da imprensa e muito mais.
Ulbra - Em entrevista recente, o senhor declarou que o golpe militar surgiu em nome da democracia e e da liberdade e terminou com elas. Hoje, no ano em que o AI5 completa meio século, como o senhor percebe a situação das instituições democráticas brasileiras?
Tavares - Creio que do ponto de vista formal as chamadas instituições democráticas brasileiras estão consolidadas, não há como pô-las abaixo. Inexiste a possibilidade de um novo 1964. Principalmente porque a Guerra Fria não existe mais. A ditadura civil-militar que tivemos foi concebida, urdida e financiada pelo Estados Unidos. Agora, nós estamos muito longe de vivermos em uma democracia. O povo continua sem participação nas grandes decisões e, mesmo que tivesse, não teria condições de opinar, pois está afundado na ignorância. Ao contrário do que os partidos pregam ao eleitorado, participar da vida democrática do país não se resume apenas a votar, é bem mais que isso. A cidadania é apenas um conceito, não se educa alguém para ser cidadão. E quem ensina? São os meios de comunicação de massa, a televisão, o rádio, a internet. E ensinam o quê? A tomar cerveja e comprar automóvel. Tenho convicção de que a sociedade de consumo é o grande vilão do século XX e XXI, uma vez que o dinheiro substitui os valores éticos, religiosos e morais.
Ulbra - Você disse certa vez que entrou no jornalismo por acidente, por vocação, que a sua geração queria mudar o mundo e o queria fazer com a palavra. Após passar por diversos veículos de comunicação e seguir escrevendo para o jornal Zero Hora, como enxerga o tipo de jornalismo exercido nas grandes redações do país? Qual a diferença entre o jornalista de 2018 e o da época de ouro da profissão?
Tavares - A diferença é muito grande. Nos anos de 1950 e mesmo no início de 1960, os jornais tinham posições programáticas e doutrinárias. A Última Hora era um periódico de esquerda que buscava uma visão nacionalista, em todos os aspectos, desde a educação e a pesquisa, passando pela defesa do patrimônio nacional. O Estadão era conservador, mas liberal. Um puxava para o lado da iniciativa privada e o outro da estatização. Duas linhas programáticas diferentes, mas ambas respeitáveis. Hoje, a maioria dos meios de comunicação funcionam como meras caixas registradoras que ocupam espaço com algumas notícias e muita opinião, mas se dedicam sobretudo à publicidade. Os jornais estão atopetados de colunas tolas e inócuas. É papel do jornalismo formar e educar. O fato é que ele está esvaziado e vai se esvaziar cada vez mais, se depender da sociedade de consumo.
Ulbra - Em 1954, o senhor, enquanto dirigente da União Estadual dos Estudantes (UEE), participou de uma greve que paralisou instituições de ensino públicas e privadas de todo o país. Na ocasião, cobravam um ensino mais rigoroso. Anos depois você ajudou a fundar a Universidade Nacional de Brasília (UNB). Como você enxerga a educação no Brasil de hoje?
Tavares - O ensino está refletindo o caos nacional e latino-americano. Assim como a imprensa, a educação também se transformou em uma caixa registradora. Na minha época de dirigente estudantil não havia a visão de faculdades particulares, existiam as públicas e as confessionais católicas, luteranas e metodistas. Não haviam universidades particulares, com donos. Quando concebemos a UNB, a nossa proposta era que nela existissem dormitórios e de que os alunos estudassem durante o dia, o mesmo modelo que vigora nos EUA e Europa. Queríamos isso porque acreditávamos que ser estudante também era uma profissão e que só assim eles poderiam tirar o maior proveito dos conteúdos ensinados em sala de aula. Daí veio o golpe e atrasou o Brasil em 21 anos, hoje um cientista brasileiro não é capaz de construir um chip. Não há fábricas de carros nacionais, só montadoras estrangeiras. Isso acontece porque nunca implantamos aquele sistema educacional emancipatório que queríamos.
Ulbra - Qual o conselho você daria para os alunos do curso de Jornalismo da Ulbra?
Tavares - O conselho que dou é a máxima que segui ao longo dos meus 84 anos. Ater-se à verdade e procurar fazer do jornalismo um instrumento de busca da verdade, não a que está nos livros ou nas leis, mas aquela que está no dia a dia e nas relações humanas. Mais do que isso, quero que tenham em mente que não há bom e mau jornalismo, ele existe ou não. Há quem escreva melhor ou pior, mas essencialmente o compromisso com a realidade precisa ser o mesmo.
Marcus Perez
Jornalista Mtb 17.602
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