Curiosidade
Órgão de tubos: a história de um amor à primeira nota
Projetista resgata lembranças da construção do instrumento ao afiná-lo
Ao se despedir dele, antes de despachá-lo para Canoas, em meados de 1994, Manfred Ronald Worlitschek sentiu como se estivesse dando adeus a um filho. Após dois anos de um árduo trabalho, o órgão de tubos da Ulbra estava concluído. Hoje, passados mais de 20 anos de sua fabricação, o instrumento neobarroco de 6,3 metros de altura, o maior do Sul do país, segundo o próprio fabricante, ainda é atração turística no município.
De férias no Rio Grande do Sul, o administrador baiano Mário Rosário fez questão de visitar a capela da Universidade, local onde se encontra o instrumento. "Nunca vi nada igual, é realmente muito bonito", garante o turista, que, encantado com a beleza do equipamento avaliado em R$ 2,5 milhões, tratou de registrar uma série de fotografias para mostrar a amigos e parentes.
Alemão naturalizado brasileiro, Worlitschek começou a fabricar instrumentos ainda na adolescência, no final da década de 1970. Em 1988, o organista (nome dado ao profissional especializado em construir órgãos de tubos), se mudou para Santa Maria, cidade onde administra uma oficina de instrumentos musicais. Em 1992, foi encarregado pelo antigo reitor da Universidade de projetar e confeccionar o equipamento eletro-pneumático. A tarefa não foi tão árdua quanto a dificuldade que encontrou em conseguir os materiais necessários para a sua construção. "As chapas dos tubos eu tive que importar da Alemanha", recorda o Luthier, que pelo menos uma vez ao ano visita a Instituição para afinar o aparelho, processo que geralmente leva dois dias para ser finalizado.
Composto por mais de 45 registros cilíndricos, fabricados em madeiras como ébano, mogno e cedro e metais como aço e bronze, o órgão foi oficialmente inaugurado em 2003, após a conclusão das reformas da capela universitária. Foi naquela época que Manfred teve a oportunidade de conferir de perto a sonoridade das mais de 2.204 flautas e 86 teclas do aparelho. Feliz com o resultado, o organista sexagenário experimentou uma sensação de dever cumprido, como se estivesse colaborando para propagar a cultura no país. "O Brasil não possui muita tradição em música erudita, talvez por isso não existam tantos organistas por aqui", comenta Worlitschek, que já treinou dois profissionais para substituí-lo quando chegar a hora da aposentadoria.
Engenhoso sistema demanda cuidados
Utilizando ambas as mãos e pés, o capelão de música da Ulbra Canoas, Paulo Brum, toca os primeiros acordes de Tocata e Fuga em Ré Menor, de Johann Sebastian Bach, no órgão de tubos. A música, eternizada pelas versões cinematográficas de o Fantasma da Ópera, no entanto, nada tem de soturna ou aterrorizante ao ressonar pela capela envidraçada da Instituição. "As crianças logo associam o instrumento a filmes de terror, mas na verdade, usamos mais para cultos e cerimônias devocionais", revela Brum.
Conforme explica o sacerdote, por trás dos sons carregados de texturas e nuances, um engenhoso sistema funciona. Dois motores posicionados dentro do corpo do equipamento geram oxigênio, que é transportado para uma determinada família de tubos dependendo do grupo de teclas pressionadas pelo organista. "Na renascença, quando os primeiros órgãos barrocos foram fabricados, ainda não haviam motores, então eram contratados foleiros, pessoas que ficavam pisando em cima de foles para gerar o ar necessário para a reprodução sonora", resgata o pastor, que é bacharel em Música pela UFRGS e que desde 1986 toca composições sacras.
Devido ao nível de complexidade do instrumento, alguns cuidados são necessários para a sua preservação. "O órgão precisa ser mantido em um ambiente seco, de pouca luminosidade e em temperatura ambiente de cerca de 23ºc, pois o frio ou calor extremos podem afetar sua sonoridade", explica Brum, que, devido a detalhes como esse, não recomenda o seu manuseio por amadores, sugerindo que apenas músicos profissionais tenham autorização para tocar o equipamento.
Sua opinião é compartilhada por Manfred. "Falta conhecimento desse tipo de música, ela ainda é desconhecida para a maioria da população e por isso faltam organistas profissionais no mercado. Os músicos que hoje estão aí não possuem familiaridade com um órgão de tubos e, quando vão tocá-lo, não conseguem aproveitar todos os seus recursos. É como dar um carro de corrida para quem recém tirou a carteira", compara o Worlischek, que conhece cada parafuso do aparelho.
Uma oportunidade para todos
Apesar de ser um instrumento delicado, o público não precisa se resignar a tirar fotos ou a contemplar sua beleza. Até o dia 12 de março, interessados em desenvolver habilidades musicais e aperfeiçoar seus conhecimentos em relação à leitura de partituras, teoria e performance em instrumentos de teclas podem se inscrever no curso de extensão sobre órgão de tubos da Ulbra. As aulas presenciais, ministradas pelo próprio pastor Paulo Brum, ocorrerão ao longo de um período de quatro meses, sempre às sextas-feiras, na própria capela da Universidade. Informações sobre o conteúdo programático das atividades, valores e processo de inscrição podem ser obtidas clicando aqui.
Marcus Perez
Jornalista Mtb 17.602
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